Os elementos da transgressão disciplinar, ou seja, do ilícito disciplinar militar, são a meu ver os seguintes: o fato típico, a ilicitude e a culpabilidade.
TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR
Conceito de transgressão disciplinar ou militar, esta no RDE(Regulamento Disciplinar do Exercito, DECRETO Nº 4.346, DE 26 DE AGOSTO DE 2002):
Art. 14. Transgressão disciplinar é toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe.
Art. 15. São transgressões disciplinares todas as ações especificadas no Anexo I deste Regulamento.
É toda ação ou omissão praticada por militar, mesmo na sua manifestação mais simples e elementar, que seja contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico, que ofenda a ética, os deveres, as obrigações militares, a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe e prevista no Anexo I do RDE.
FATO TÍPICO DISCIPLINAR
É o que se enquadra no conjunto de elementos descritivos do ilícito contidos na lei, ou seja, a perfeita correspondência entre a conduta praticada pelo sujeito ativo(militar) e a descrição contida no tipo transgressional.
Segundo NEVES[1] “Presentes esses elementos – conduta, resultado, nexo causal e tipicidade mitigada – surge o fato típico disciplinar.”
São componentes do fato típico disciplinar:
a) Conduta;
b) O resultado;
c) O nexo de causalidade;
d) Tipicidade.
CONDUTA
É a ação ou omissão praticada pelo militar consciente e voluntaria, dirigida a uma finalidade.
Do direito penal segundo FÜHRER:
A conduta ou ação é o comportamento humano, avaliado pelo Direito.
…
No Direito Penal, a palavra ação é empregada em sentido amplo, abrangendo tanto a ação propriamente dita como a omissão. [2]
RESULTADO
Do direito penal segundo FÜHRER:
O segundo elemento do fato típico é o resultado da ação, descrito no tipo. [3]
Espécies de Resultado:
a) Resultado naturalístico “É a efetiva alteração física no mundo exterior”.
b) Resultado jurídico “É a lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico protegido”.
RELAÇÃO DE CAUSALIDADE (OU NEXO CAUSAL)
É o vinculo físico entre a conduta do agente e o resultado. É a relação de causa e efeito.
Causa é todo fator natural ou humano sem o qual o resultado não teria ocorrido, tudo que contribuir direta ou indiretamente para o resultado é causa dele, todos os fatores tem a mesma importância na relação causal é o condicio sine qua non.
TIPICIDADE
Do direito penal segundo FÜHRER:
A tipicidade consiste no ajuste perfeito do fato com o tipo, ou seja, na exata correspondência do fato praticado com a descrição legal existente. [4]
Tipicidade Formal: é o mero enquadramento da conduta no tipo penal.
Tipicidade Material: só há tipicidade se a conduta causa uma significativa e relevante lesão ao bem jurídico.
PRINCÍPIO DA INSGINIFICANCIA NA TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR
Prima Facie não há cabimento de princípio da insignificância nas transgressões disciplinares, visto os artigos 8º e 14 do RDE:
Art. 8o A disciplina militar é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes do organismo militar.
Art. 14. Transgressão disciplinar é toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe. (Grifo nosso)
Não haveria cabimento pois o princípio já seria aplicado sob o aspecto penal, sendo assim a transgressão o resíduo da ação do agente. Assim também entende a Exma. Min. Cármen Lúcia:
STF – HC 98519 MC / RS – RIO GRANDE DO SUL
MEDIDA CAUTELAR NO HABEAS CORPUS
Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA
Julgamento: 17/04/2008 – DJe-077 DIVULG 27/04/2009 PUBLIC 28/04/2009
Se o fato é insignificante sob o aspecto penal, mas ainda assim arranha os princípios gerais de hierarquia e disciplina, deve merecer outro tratamento, ou seja, aquele que a lei prescreve para as infrações disciplinares. (Grifo nosso)
Ainda, o Exmo. Min. Jorge Scartezzini do STJ decidiu, que contra que contra a Administração Pública não se aplica o princípio da insignificância:
Informativo nº 0178
Período: 23 de junho a 1º de julho de 2003.
DEMISSÃO. REPORTAGEM. TV. PROVA ILÍCITA.
Trata-se de mandado de segurança contra portaria que demitiu Patrulheiro Rodoviário Federal flagrado por reportagem da TV Globo recebendo propina, o que foi apurado em processo administrativo disciplinar. Prosseguindo o julgamento, a Seção denegou a segurança. Considerou, no dizer do Min. Relator, que sustentar ilicitude da prova na espécie seria defender o direito do servidor à prática de ilicitude administrativa. No caso dos autos, não se pode confundir meio ilícito e inexistência de ilícito por impossibilidade de seu resultado ex ante, por ação de agente provocador, uma vez que ilicitude havia e a ilicitude foi praticada pelo impetrante. Outrossim o Min. Jorge Scartezzini, em voto-vista, destacou que contra a Administração Pública não se aplica o princípio da insignificância.(Grifo nosso) MS 6.611-DF, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, julgado em 25/6/2003.
Segundo STF o para Aplicação do Princípio da Insignificância há necessidade de preenchimento de alguns requisitos:
…
“No ponto, enfatizou-se que o princípio da insignificância tem como vetores:
a) a mínima ofensividade da conduta do agente;
b) a nenhuma periculosidade social da ação;
c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e
d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.”
HC 94765/RS, rel. Min. Ellen Gracie, 9.9.2008. (HC-94765)
Informativo 519 STF.
Exceptiones, ocorrerá quando a conduta(ação ou omissão) praticada pelo militar enquadrar-se nos quatro requisitos acima. Ao meu entendimento, neste, e único, caso caberá a aplicação do princípio da insignificância nas transgressões disciplinares.
Porém Ultima Ratio não há que se falar em aplicação o princípio da insignificância na transgressão disciplinar. Pois cabe ao militar a busca da perfeição no exercício da atividade policial-militar através do sentimento do dever, que é imposto exclusivamente aos militares. Dever este que é o sustentáculo das instituições militares.
Para o Ilmo. Cel. PM RR Wilson Odirley Valla:
É fundamental prestar a atenção ao conceito, pois que não bastam apenas a observância, o acatamento e o cumprimento do dever. As peculiaridades da vida castrense exigem muito mais da disciplina, ou seja, o seu acatamento integral, o perfeito cumprimento do dever e a sua rigorosa observância. Acrescenta que na vida militar não existe DISCIPLINA PELA METADE.
A questão, disciplina, envolve todo um conceito de ética e moral, porque se traduz no perfeito cumprimento do dever por todos.[5]
Ainda o Ilmo. Cel. PMRR Wilson Odirley Valla:
Assim, por exemplo, na medida em que o próprio Regulamento Disciplinar, em seu artigo 14, define transgressão disciplinar como: “toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe”, atrai para o Direito a obrigatoriedade de obediência de todas as normas, não apenas aquelas vinculadas ao múnus profissional ou à moral, esta na forma já referida anteriormente, mas, também, outras que envolvem princípios éticos, aí incluídos aqueles relacionados às convenções sociais. Por isso, o desrespeito, em público, das convenções sociais é considerado transgressão disciplinar. Com isto, completa-se a sobreposição dos círculos concêntricos, ao contrário do mínimo ético preconizado pela teoria de JELLINEK.
Como se vê, na vida castrense exige-se, ao contrário da vida civil, o máximo de princípios ético-morais como obrigatórios. Eis a razão pelas quais, sendo os preceitos da ética, mais abrangentes que a própria moral, não se subordinam às normas codificadas, pelo simples fato de fazerem parte , de forma ampla e generalizada, do próprio Direito. Em razão disto, é equivocada a pretensão de alguns oficiais menos prevenidos propugnarem pela instituição de um Código de Ética para os militares, em particular aos militares estaduais, independente de outros dispositivos anteriormente mencionados e, em especial, do Regulamento Disciplinar. Para o militar não há infração moral ou ética que não seja, simultaneamente, falta disciplinar. Dependendo da empressão complexa e acentuadamente anormal da ofensa, tem-se o crime militar, podendo gerar, em alguns casos concretos, a situação de indignidade para com o posto ou a graduação.[6]
O texto do Art. 14 do RDE descreve que a transgressão existirá mesmo quando a ação do militar ocorrer na sua manifestação elementar e simples. Assim com a simples ofensa ao bem jurídico da ética, dos deveres e das obrigações militares estará caracterizada a lesão jurídica.
ILICITUDE
Significa que a conduta positiva ou negativa, além de típica, deve ser antijurídica, contrária ao direito. É a oposição ou contrariedade entre o fato e o direito. Será antijurídica a conduta que não encontrar uma causa que venha a justificá-la. Nas palavras do Prof. Damásio de Jesus: “A conduta descrita em norma penal incriminadora será ilícita ou antijurídica quando não for expressamente declarada lícita. Assim, o conceito de ilicitude de um fato típico é encontrado por exclusão: é antijurídico quando não declarado lícito por causas de exclusão da antijuridicidade.
Segundo NEVES[7]:
Em sede disciplinar, basta dizer que os regulamentos militares consagram as causas que excluem a antijuridicidade, em regra, sob o título “causas de justificação” ou “causas justificantes”. Não obstante consignem alguns diplomas que, em se verificando tais causas, não haverá pena ou “não haverá aplicação de sanção disciplinar”, não identificando exatamente o campo de incidência, são tais circunstâncias verdadeiras excludentes de ilicitude do fato transgressional, não se podendo falar em ilícito disciplinar quando forem evidenciadas.
CAUSAS EXCLUDENTES DA ILICITUDE
a) na prática de ação meritória ou no interesse do serviço, da ordem ou do sossego público;
b) legítima defesa de si ou de outrem;
c) em obediência a ordem superior;
d) para compelir subordinado a cumprir rigorosamente o seu dever em caso de perigo, necessidade urgente, calamidade pública, manutenção da ordem e da disciplina;
e) caso fortuito ou força maior;
f) por ignorância, desde que não atente aos sentimentos de patriotismo, humanidade e probidade;
g) coação física irresistível;
h) atos reflexos;
i) atos inconscientes, Ex. sonambulismo e hipnose.
Nestes atos ou esta faltando vontade ou esta faltando consciência. Comprovada qualquer uma destas causas não haverá ilicitude, logo não haverá transgressão disciplinar.
CULPABILIDADE
Do direito penal segundo FÜHRER:
A teoria normativa pura ou teoria da culpabilidade corresponde aos ensinamentos da escola finalista. Dolo e culpa migram da culpabilidade para o tipo, através da conduta. E o conteúdo da culpabilidade, assim esvaziada, passa a ser apenas a censurabilidade, cujos requisitos são a imputabilidade, a consciência potencial da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. [8]
Segundo NEVES[9]:
Como culpável deve-se compreender o fato reprovável no grupo em questão – inclusive levando-se em consideração os usos e costumes daquele grupo, fator preponderante e até mesmo verdadeira fonte normativa nas instituições militares. Obviamente, deveriam estar presentes os elementos positivos da culpabilidade (teoria normativa pura), ou seja, imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.
Sendo a culpabilidade composta de três elementos:
a) Imputabilidade: É a capacidade mental de compreender o ato que esta praticando.
b) Potencial consciência da ilicitude: É a possibilidade de compreender que o ato praticado é ilícito.
c) Exigibilidade de conduta diversa: É a possibilidade de exigir que o agente não tivesse cometido o fato típico, tivesse de agir de outra forma, não praticando o fato típico.
Se faltar qualquer um destes elementos não há culpabilidade. Logo não haverá transgressão disciplinar.
CAUSAS DE EXCLUSÃO DA IMPUTABILIDADE
Exclui a imputabilidade se agente era totalmente incapaz no momento da transgressão disciplinar. Assim inimputabilidade do agente excluirá a culpabilidade.
POTENCIAL CONSCIENCIA DA ILICITUDE
É a possibilidade de conhecer a ilicitude do comportamento. É a possibilidade do agente saber que o ato que ele esta praticando é ilegal, ilícito, proibido.
Basta a possibilidade do agente saber que o comportamento é proibido, ainda que ele não saiba.
Causa de exclusão da potencial consciência da ilicitude
É o Erro de Proibição Inevitável, onde o agente não sabe que sua conduta é proibida e ilícita. Por ignorância o agente imagina que sua conduta é permitida pelo direito. (Art. 18 inciso VI do RDE.)
EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA
É a possibilidade de exigir do agente que ele não tivesse praticado a conduta ilícita disciplinar.
Causa de exclusão da EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA
a) A coação moral irresistível excluí a culpabilidade;
b) Obediência a ordem de superior hierárquico (Art. 18 inciso III, RDE).
Se o agente cumpre ordem de superior, que não seja manifestamente criminosa, estará excluída a culpabilidade. Conforme o Ilmo. Cel. PMRR Wilson Odirley Valla:
Quando a ordem, todavia, contrariar preceito regulamentar ou legal, o executante poderá solicitar a sua confirmação por escrito, cumprindo à autoridade que a emitiu, atender à solicitação. Mesmo assim, terá de cumpri-la. Na verdade, somente não se executa a ordem manifestamente criminosa, isto é, quando a ilicitude da ordem dada é de tal maneira manifesta, que extingue a presunção da legitimidade do comando. É o caso do superior que manda o subordinado eliminar um desafeto ou a praticar atos de tortura em determinada pessoa suspeita. Nesta suposição, não existe ordem de natureza militar, embora exista a figura do superior que tenha ordenando e um subordinado que executa. Porém, ambos, segundo o artigo 53 do Código Penal Militar, são responsáveis, em concurso, pela pratica do delito a que deram causa.[10].
2o Ten. QOPM Denis Buhrer Pedroso PMPR.
[1] NEVES, Cícero Robson Coimbra. Teoria geral do ilícito disciplinar militar: um ensaio analítico. Disponível em: http://www.jusmilitaris.com.br/popup.php?cod=47.
[2] FÜHRER, Maximilianus C. A. F. e Maximiliano R. E. Resumo de Direito Penal(Parte Geral). 28ª edição, São Paulo, Malheiros, 2008, p.30.
[3] FÜHRER, Maximilianus C. A. F. e Maximiliano R. E. Resumo de Direito Penal(Parte Geral). 28ª edição, São Paulo, Malheiros, 2008, p.48.
[4] FÜHRER, Maximilianus C. A. F. e Maximiliano R. E. Resumo de Direito Penal(Parte Geral). 28ª edição, São Paulo, Malheiros, 2008, p.48.
[5] CUNHA, Irineu Ozires. Regulamento Disciplinar do Exército – Parte Geral. 2ª edição, Curitiba, AVM, 2008, p.27.
[6] VALLA, Wilson Odirley. Deontologia Policial-Militar. 3ª edição, Curitiba, AVM, 2003, p.115.
[7] NEVES, Cícero Robson Coimbra. Teoria geral do ilícito disciplinar militar: um ensaio analítico. Disponível em: http://www.jusmilitaris.com.br/popup.php?cod=47.
[8] FÜHRER, Maximilianus C. A. F. e Maximiliano R. E. Resumo de Direito Penal(Parte Geral). 28ª edição, São Paulo, Malheiros, 2008, p.73.
[9] NEVES, Cícero Robson Coimbra. Teoria geral do ilícito disciplinar militar: um ensaio analítico. Disponível em: http://www.jusmilitaris.com.br/popup.php?cod=47.
[10] VALLA, Wilson Odirley. Deontologia Policial-Militar. 3ª edição, Curitiba, AVM, 2003, p.119.